No nosso prédio


"Antimundos"
(1970)
Voznessenski

ANTIMUNDOS

No nosso prédio
mora o vizinho Bukachkine,
que usa cuecas cor de mata-borrão.
Mas sobre ele — como balões no espaço —
flutuam Antimundos!

Há neles um mágico, pior, há um diabo
que governa o mundo:
Antibukachkine, o académico
que dá beliscões às Lollobrigidas!

Mas o Antibukachkine sonha
visões cor de mata-borrão.

Vivam os Antimundos!
Maravilhas — no meio do que não presta!
Sem estupidez não há inteligência,
não há oásis sem haver Karakum!

Não há mulheres —
existem anti-homens.

E as antimáquinas praguejam nas florestas.
A terra produz sal. A terra produz estrume.
E morre o falcão sem a serpente.

Amo os meus críticos.
No pescoço nu e perfumado
de um deles
brilha uma anticabeça!...

... Gosto de dormir com as janelas abertas
e ver brilhar, algures, uma estrela cadente
e os arranha-céus — suspensos
da barriga do espaço
como estalactites.

E por baixo de mim
cabeça ao contrário
espetando um garfo na barriga do mundo,
vives tu, doce borboleta indiferente,
meu pequeno antimundo!

Porque será que, a meio da noite,
se encontram os antimundos?

Porque se sentam eles, aos pares,
a ver televisão?

Nem duas frases
trocam entre si.

Sentados e já sem etiquetas
(e por isso irão sofrer mais tarde!)
com as orelhas em fogo...
como borboletas.

... Um orador meu conhecido
dizia-me ontem:
«Antimundos ? Ninharias!»

Durmo e viro-me na cama,
pensando, sonolento,
na razão da inteligência científica...

O meu gato é como um receptor
e capta o mundo com os seus olhos verdes.
1961

(Versão de Amando da Silva Carvalho, feito sobre tradução directa do russo de Clara Schwarz da Silva)

1 comentário:

francisco oneto disse...

Absolutamente delicioso! Entre Álvaro de Campos e Allen Ginsberg, mas com uma sobriedade destas... que pede um caldo verde, pão com queijo e uns copos de tinto, cabrito assado com esparregado e batatinhas assadas redondinhas, com molho espesso, gostoso e puré de maçã simples, depois sericaia com ameixa de Elvas, dois ou três docinhos de massapão do Algarve, a acompanhar o café... E eis-nos chegados à hora do kif e da poesia!...

Um Grande Abraço